Uma educação sexual mais franca e aberta pode favorecer a tomada de decisões mais conscientes, autônomas e responsáveis a respeito da vida sexual de cada um.
Num artigo na The New York Times, intitulado “Quando a Pornografia se Tornou Educação Sexual?”, a escritora americana Peggy Orenstein questiona as limitações do sistema educacional americano na educação sexual de meninas e os impactos desta (falta de) educação na forma como estas experimentam sua vida sexual. Na mesma semana, o UOL publicou um interessante artigo sobre o mesmo tema.
Segundo Peggy, a educação sexual (formal ou doméstica) dos americanos se divide em duas abordagens principais: a abstinência, cuja mensagem principal é “Não faça!”;
e uma abordagem mais organicista, que apresenta a genitália masculina em detalhes, focando na capacidade de ereção peniana e de ejaculação,
enquanto a parte feminina se restringe aos órgãos internos, que menstruam e engravidam (ou seja, os brinquedos dos meninos servem para diversão, enquanto os das meninas são fonte de desconforto e preocupação…). Pouco ou nada se fala sobre a genitália externa feminina e seu possível uso como fonte de diversão e prazer.
Nesse cenário, as crescentes discussões sobre violência sexual voltam seu foco para a questão do consentimento explícito da mulher para participar de qualquer atividade sexual, mas pouco se fala sobre o que acontece após esse consentimento.
Para preencher esse vácuo de informações, a pornografia ocupa um papel relevante, dada a sua facilidade de acesso e volume de material disponível, especialmente no mundo online. Entretanto, o sexo mostrado na pornografia apresenta enormes diferenças em relação ao que é praticado no dia a dia, começando pelo foco prioritário no prazer masculino e na penetração de diferentes orifícios corporais, na roteirização das sequencias de acontecimentos, com pouca ou nenhuma importância para preliminares como beijos e carícias, na total ausência de contexto relacional entre os participantes, nas posições sexuais de pouco contato corporal (para facilitar a filmagem das penetrações), na padronização das anatomias e dos padrões de beleza (eliminação dos pelos corporais, genitálias e mamas de tamanho acima da média populacional) , entre outros.
Embora os jovens saibam que aquilo que o pornô mostra não seja real, seus valores começam gradativamente a moldar os padrões da atividade sexual entre as americanas. A autora cita a naturalização (e a banalização) da prática de sexo oral, e do aumento da frequência de adolescentes praticando sexo anal . Em nosso meio, a disseminação dos nudes enviados e replicados em diferentes etapas de relacionamento entre adolescentes indica que os paradigmas sobre intimidade e privacidade estão em mutação.
As conclusões de Peggy sobre as limitações ao pleno exercício da sexualidade feminina são compatíveis com o que encontramos em nosso meio, tanto na clínica privada como nos serviços públicos. As principais causas que atrapalham o desejo, a prática sexual prazerosa e sem culpa são:
- a falta de permissão para pensar, sentir e se expressar quanto à própria sexualidade;
- a falta de conhecimento sobre o próprio corpo, seus gostos e preferências em se tratando de sexo;
- uma excessiva atenção e prioridade ao prazer do outro, em detrimento das próprias necessidades.
Na minha opinião, os caminhos para a resolução destes problemas incluem:
- Falar sobre o assunto: discutir questões relacionadas à sexualidade, com colegas ou com profissionais, permite que certezas e medos relacionados à prática sexual sejam redimensionados ou relativizados, ao mesmo tempo em que são treinadas habilidades de expressão e comunicação sobre temas sensíveis. Um ambiente de confiança, aceitação e ausência de julgamento são fundamentais.
- (Auto)conhecimento: buscar informações disponíveis nas mais diversas fontes e identificar gostos e preferências. Importante lembrar que o próprio corpo é fonte de informação, fornecendo dados personalizados sobre o que funciona e o que não funciona para cada pessoa.
- Permissão e experimentação: focalizar e priorizar as sensações do próprio indivíduo, a fim de obter clareza antes de se ocupar do prazer alheio. Testar diferentes alternativas para a lidar com as questões identificadas anteriormente. Voltar às etapas anteriores quantas vezes forem necessárias.
A pornografia, quando utilizada por uma mulher sexualmente madura, consciente de seus desejos e necessidades, pode ser uma ferramenta interessante para o enriquecimento da vida sexual. Como instrumento de educação sexual, ela deixa muito a desejar…
créditos das imagens:
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http://www.edudiagrams.com/2015/07/sex-education-diagrams.html#
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